Primeiro, gostaria de manifestar minha alegria em retornar ao site do Cheeseheads Brasil com uma coluna semanal. Até o começo da próxima temporada, escreverei sobre assuntos variados que englobam o mundo de Green Bay e da sua imensa base de torcedores aqui no Brasil.
Na coluna de estreia, optei por falar de um assunto que tem me incomodado nos últimos anos: a hipótese de que Aaron Rodgers não é mais elite e também a de que é um jogador inferior comparado com alguns outros quarterbacks que já estão ou vão estar no Hall da Fama da NFL.
Como parâmetro para a carreira e momento atual de Rodgers, usarei um dos meus quarterbacks contemporâneos preferidos: Drew Brees. Antes de entrar nas comparações diretas entre Brees e Rodgers, primeiro escrevo o contexto histórico dos primeiros anos da carreira do Drew Brees.
Brees entrou na NFL vindo da faculdade de Purdue no ano de 2001, escolhido no começo da segunda rodada pelo San Diego Chargers. Jogou cinco anos pela franquia - o primeiro, como reserva, e nas outras temporadas, como quarterback titular. Em seus anos de starter, teve números medianos. Em nenhuma temporada conseguiu mais de 30 TDs , nem ultrapassou as 4.000 jardas. Nos anos de 2002 e 2003, Drew Brees foi "patético". Neste período, ele teve 28 touchdowns e 31 interceptações. Os últimos dois anos de Brees jogando pelo Chargers foram melhores, mas longe de espetaculares. Somente em 2004, ele teve uma média de no mínimo 65% dos passes completos - justamente o ano em que foi eleito para o Pro Bowl.
Veio a temporada de 2005, e Brees se tornou um free agent. Muitos pensavam que ele não retornaria para o San Diego Chargers. Porém, o time o designou como franchise player (algo similar à franchise tag), o que quadruplicou seu salário e o tornou elegível para troca. Só que, para isso acontecer, um time teria que mandar duas escolhas de primeira rodada para San Diego. Nenhum time se interessou, e ele acabou ficando no Chargers para mais um ano. Naquele ano, Brees terminou a temporada com 24 touchdowns e 15 interceptações. No último jogo, contra Denver, após tentar recuperar seu próprio fumble, Brees sofreu uma lesão nos ligamentos do ombro após ser atingido no chão pelo adversário.
Depois de cirurgias bem-sucedidas, o San Diego Chargers ofereceu um contrato de US$ 50 milhões por 5 anos, mesmo já tendo Philip Rivers no elenco. Drew Brees fez uma pedida maior, e as partes não chegaram a um acordo. Dolphins e Saints surgiram como os principais times interessados. Miami ficou com receio de que o ombro de Brees não estivesse totalmente recuperado, e ele assinou contrato com New Orleans por 6 temporadas no valor de US$ 60 milhões e muito mais dinheiro garantido do que o Chargers havia oferecido.
A partir da chegada ao New Orleans Saints, a carreira de Brees deu uma guinada considerável. O sistema de Sean Payton o ajudou demais a se tornar um quarterback elite. Obviamente, o atleta tem muitos méritos. Ele sempre foi um jogador extremamente dedicado nos treinos, muita força no braço, consistência nos números (ele teve 5 temporadas com mais de 5000 jardas), além de ser um grande líder. Não é à toa que ele é um dos melhores de todos os tempos. Até aí nenhum problema.
O que realmente me incomoda é a falsa perspectiva, principalmente por parte dos torcedores, de que ele sempre jogou em alto nível e Aaron Rodgers vem por anos em decadência. Obviamente, Aaron Rodgers não é o mesmo jogador que recebeu o título de MVP nas temporadas de 2011 e 2014. Mesmo assim, ele continua sendo um quarterback muito acima da média, que desde 2009 está entre os cinco melhores da liga - assim como Drew Brees.
Em termos de carreira, a principal diferença é que o Rodgers já tem 2 MVPs, e o Brees não tem nenhum. Isso é um bom indicador de que o Brees nunca esteve perto de ser o melhor quarterback em um determinado momento da história. O ano mais prolífico da carreira dele foi 2011, quando teve quase 5500 jardas e 46 TDs, e mesmo assim coincidiu com o ano que o Rodgers foi o MVP.
Outro ponto determinante na comparação entre os dois é que o Rodgers entrou para a seleção da década de 2010. Brees não entrou nem para os anos 2000 (Brady e Manning), nem 2010 (Brady e Rodgers), mesmo tendo sido titular quase que na totalidade nas duas décadas.
Em relação a sistema, o Brees me parece um quarterback muito mais dependente do entorno. Ele só se consolidou como elite jogando no sistema do Sean Payton. Ultimamente, tem ganho muito reconhecimento pelos recordes absolutos. Só devemos lembrar que muitas coisas favoreceram demais para isso acontecer. Abaixo seguem algumas:
1 - Sistema do Sean Payton é altamente voltado para ter passes simples e ganho de jardas pós-recepção.
2 - Saints joga em dome, o que facilita muito o jogo aéreo.
3 - Dois dos rivais de divisão são de cidades com clima bom (Buccaneers e Falcons). Ou seja, o Saints faz muito poucos jogos em frio intenso, reforçando o ponto 2.
4 - Durante os primeiros anos dessa década, o Saints contou frequentemente com uma das piores defesas da liga. Isso fez com que o time fosse forçado a passar em um volume altíssimo, favorecendo os números absolutos (mas muitos passes para running backs e curtos para wide receivers, o que fazia não perder a eficiência). Mérito do Brees por cumprir, claro, mas muito também circunstância e mérito do sistema.
5 - Drew Brees é o segundo quarterback da história com mais tentativas de passe. Recorde que ele vai quebrar nessa temporada e que ainda pertence a Brett Favre. Isso ajuda demais na questão dos números absolutos da carreira dele. Numa comparação com Rodgers, Brees tem 10.161 tentativas e o quarterback de Green Bay passou 6.061 vezes.
Outro ponto recente, que transformou um pouco a narrativa, é que os resultados recentes do Saints têm sido satisfatórios. É um dos elencos mais completos da NFL nos últimos 3 anos. Mas isso se deve muito ao fato de que o time teve quatro temporadas 7-9 no intervalo de cinco anos entre 2012 e 2016. Nestas temporadas, o Brees ficou duas vezes com rating abaixo de 100 e nunca acima de 105. Como efeito de comparação, o rating dele nas duas últimas temporadas foi, respectivamente, 115.7 e 116.3. Ou seja, é nítido que o entorno fez com que o jogo dele se elevasse, e não o inverso.
O grande fator diferencial é o desempenho em playoffs. As estatísticas apontam que o índice de pontos esperados adicionados por jogada pelo Rodgers é de 0.27, contra 0.18 do Brees. O quaterback do Saints, por exemplo, teve 3 interceptações em 2 jogos na pós-temporada de 2017, e uma na prorrogação do NFCCG contra o Rams na pós-temporada 2018. O jogo dele contra o Vikings ano passado também foi bem medíocre.
Entrando agora no lado do Aaron Rodgers, vamos lembrar alguns pontos sobre o jogador que tem carregado a franquia Green Bay Packers nas costas nos últimos 8 anos (à exceção de 2014, provavelmente, e ano passado). Antes de entrar em alguns números, acho justo lembrar que ele teve uma vantagem em relação ao Drew Brees. Rodgers pôde se sentar por 3 anos no banco, aprendendo um sistema que acabou sendo extremamente eficiente em Green Bay sob o comando de Mike McCarthy. Além disso, passou os primeiros anos da sua carreira assistindo e aprendendo com Brett Favre, um dos melhores quarterbacks da história. Não que Favre tenha adotado Rodgers como pupilo, mas conhecendo a inteligência acima da média de Aaron, é bem claro que ele soube tirar o melhor dessa experiência.
Indo para números, devemos lembrar que Aaron Rodgers tem o melhor passer rating da história da NFL. Ele também possui o melhor td-int ratio da liga, com 4.33 (364td's - 84int), além de ter a marca de 3122 jardas correndo com a bola. Não vou listar todos os recordes de Rodgers, como também não fiz com o Brees. Por se tratar de dois hall of famers, a quantidade de conquistas individuais é absurda. Mas preciso lembrar que Rodgers detém o recorde da liga em tentativa de passes sem interceptação (402), é um dos seis quarterbacks a passar para mais de 1000 jardas em uma única pós-temporada e menor quantidade de passes até chegar a 30.000 jardas. Rodgers também possui quase 30 recordes de um quarterback em uma única temporada.
Também é preciso ressaltar que, tirando no ano do Super Bowl, em que o Packers venceu e Rodgers foi o MVP, e além da temporada de 2014, Rodgers praticamente nunca teve uma defesa que lhe deu condições de vencer. Não vou castigar a torcida de Green Bay lembrando as inúmeras vezes em que Rodgers deu uma chance para o time em jogos de playoffs, mas a defesa entrou em colapso e ele jamais teve a bola nas mãos. Vocês sabem que não estou mentindo. Por outras vezes, a defesa não conseguiu manter o time no jogo por muito tempo, ao ponto de, no final do primeiro tempo, Green Bay já perder por 3 ou 4 posses de bola.
Em relação aos motivos subjetivos e mais pessoais de por que a cobrança sobre o Rodgers ser maior, creio que são diversos fatores:
1 - Rodgers era visto no início dos anos 2010 como o líder de uma possível dinastia, o que nunca se confirmou em termos coletivos. A visão do Brees era diferente, ele já venceu como azarão em 2009, o Saints não era visto como favorito até 2018.
2 - O Packers é uma franquia muito mais tradicional do que o Saints, portanto é natural que a cobrança seja maior. Além disso, o número de jogos em primetime também é maior, a exposição é maior quando as coisas não vão bem.
3 - O Brees é, de fato, um ser humano muito mais fácil de se lidar. Ele nunca vai brigar em público com o Sean Payton, ou mesmo nas entrelinhas, como o Rodgers fez com o Mike McCarthy. Isso gera um clima de necessidade de sucesso para que o Rodgers não seja cobrado pela personalidade.
4 - Rodgers tem uma postura mais arrogante perante a imprensa. Sempre passa a ideia de ser o cara mais inteligente da sala. O fato dele ter pouco contato com a sua família também acaba não ajudando muito para sua causa.
O fato é que Rodgers e Brees são dois dos melhores que já jogaram o esporte na posição de quarterback. Na minha sincera e modesta opinião, é bem claro que Aaron Rodgers está um degrau acima do sensacional quarterback do Saints. Por isso, é tão difícil ler uma quantidade de críticas absurdas contra Aaron Rodgers nas redes sociais brasileiras e também na mídia, enquanto Brees parece, por vezes, "intocável". Enfim, fica essa reflexão. Não sou o dono da verdade, porém essa é a minha verdade. Qual é a sua? #GoPackGo
P.s - No momento que o texto foi escrito, Drew Brees ainda não havia feito a declaração polêmica do dia 03/06 - nem escrito o pedido de desculpas no dia seguinte.
(Foto: Reprodução Twitter Oficial/Green Bay Packers)
Comentarios
Pedro Gorgatti
Junho 4, 2020 at 8:50 pm
Behs como sempre muito organizado e claro expondo suas ideias. Como próximas colunas sugiro fazer uma análise dos grupos de recebedores que o Rodgers teve em sua carreira para responder se ele teve ou não boas armas ao seu lado.
PV
Junho 10, 2020 at 8:34 pm
Claro, didático E objetivo. Ótimo texto. Excelente análise!