“AINDA É SURREAL PARA MIM”: A JORNADA DE DAVANTE ADAMS

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Esse texto foi retirado do site The Athletic, link para a matéria original aqui

Davante Adams começou a gritar: “Eu odeio futebol!”

Era novembro de 2015 e ele estava dirigindo de casa para o Lambeau Field com sua mãe. Pamela Brown ficou assustada com sua irritação.

“Não diga isso!” falou Brown. “Não, você não odeia!”

Ela viajou da Califórnia para Green Bay para ver seu filho jogar contra o Bears. A esposa de Adams, Devanne, estava lá, assim como a mãe dele. Aaron Rodgers procurou Adams por 11 vezes naquela noite chuvosa, mas ele agarrou apenas 2 para 14 jardas. O Bears ganhou por 17 a 13.

“Sim, eu odeio!”

Quando eles voltaram para a casa de Adams ele foi direto para seu quarto e não saiu mais. Brown levou um prato de comida e deixou ele sozinho. Ela estava em choque, não só porque seu filho não comentou sobre como sua segunda temporada na NFL, um desastre pessoal, estava sendo um peso para ele.

Eram as lesões. Eram os drops. Era a falta de produtividade. Ele foi escolhido como No. 1 após a lesão de ligamento de Jordy Nelson na pré temporada, mas ele teve uma lesão no tornozelo logo na semana 2. Adams agravou a lesão ainda mais na semana seguinte, perdeu três jogos e então retornou e jogou com dores. Aquela noite de Ação de Graças, que Adams até hoje diz que foi seu pior jogo da carreira, foi o ponto de inflexão.

Hoje ele admite que prestou muita atenção no que as pessoas falavam dele na interent. Ele lembra que os fãs queriam ele fora, as hashtags no twitter pedindo para que Jeff Janis (escolha de sétima rodada) tomasse seu lugar. Após uma temporada regular que ele agarrou apenas 50 passes para 483 jardas com apenas um touchdown e 10 drops, ele terminou o ano com uma lesão no ligamento medial na partida divisional contra Washington.

“Definitivamente foi um momento triste da minha carreira”, disse Adams ao The Athletic.

Dois anos antes Adams conseguiu 24 touchdowns em Fresno State – 8 a mais que qualquer outro no futebol universitário. Ele foi o segundo no país com 1.719 jardas recebidas. Isso foi o suficiente para ele ser escolhido na segunda rodada do Draft de 2014.

“Eu estava não acostumado a fazer o que fiz na Universidade”, disse ele. “Ir e marcar dois touchdowns por jogo, colocar números excelentes, ter bons momentos”.

Essas falhas são, hoje, estranhas, mas Adams já passou por coisas piores.

Quando ele é chamado como Davante Adams, de Palo Alto, ele interrompe.

É East Palo Alto. Não parte oeste de Palo Alto, que é o que as pessoas costumam pensar, mas uma cidade inteira na área da Baia da California.

Quando pensamos nas duas cidades o filme “Rei Leão” nos dá uma boa referência, diz Adams. Palo Alto – sinônimo de Vale do Silício e extremamente bem sucedida, casa da Universidade de Stanford e da Tesla – é como a Rocha do Rei.

East Palo Alto é como o cemitério dos elefantes. É de lá que ele é.

“Não é tão distante”, diz Adams. “Mas são dois mundos completamente diferentes”.

(Reprodução: Site Oficial/Packers)

Depois de uma longa pausa e de respirar fundo ele continua: “É difícil falar sobre”. Um de seus melhores amigos foi morto. Ele testemunhou o tiroteio. Brown não deixava ele sair de sair de casa até que tivesse um destino específico, até mesmo se ele só quisesse ir brincar na rua.

“Sabendo de onde somos, eu simplesmente me recusava a deixar meu filho ser mais um nas estatísticas”, diz Brown. “East Palo Alto sempre foi a cidade vista como patinho feio. Sempre teve muita violência por parte das gangues. Havia muito tráfico de drogas e tudo mais. Simplesmente não era o melhor lugar para crescer, sabe?”

“Nem todos conseguem sair dali. Muitas crianças que Davante brincava quando era criança acabaram mortas ou presas em consequência dessa briga de gangues”.

“Eu literalmente poderia ter morrido”, diz Adams. “Só de saber de pessoas que eu passei muito tempo junto e como elas perderam a vida ou a liberdade”.

Desde os 5 anos de idade ele divide o tempo que passa com os pais. Toda segunda e quarta ele ficava na casa da sua vó, em East Palo Alto, com mais nove pessoas: seu pai, a namorada dele, tias, primos e avó. Ele nunca teve seu próprio quarto e dormia num sofá até ir para a faculdade.

“Eu sou um adolescente que está crescendo e virando um homem e meu quarto é a céu aberto”, disse Adams. “É o mesmo lugar que as pessoas vem e ... sentam para conversar com meus avós ou com meu pai”.

Toda terça e quinta ele ficava a 10 minutos dali, com sua mãe num apartamento de dois quartos num complexo de moradias. Brown trabalhava em dois empregos, um como gerente de um site para a empresa Synopsys e o outro onde ela trançava cabelos quando saía do seu trabalho principal.

“Ela era minha Supermulher”, diz Adams. “Minha mãe era a epítome de uma traficante legalizada”.

Adams nunca teve – ou quis ter – uma mesada porque ele não achava que merecia ser pago por fazer tarefas simples. Ele ganha 20 dólares por semana para o almoço, mas as comidas do outro lado da rua, na Palo Alto High School custavam 6 dólares. “Adicione mais isso”, diz Adams.

Brown não tinha tempo para um relacionamento fora da agenda de basquete e futebol do seu filho, e ela não queria que ele trabalhasse porque queria ele ou na escola, ou treinando ou dentro de casa.

“Eu disse ‘não se preocupe, você só precisa ir bem na escola para ganhar uma bola de estudos que eu não consigo pagar, e aí eu vou seguir ajudando você nos seus esportes’”, Brown diz. “Eu mantinha ele tão focado nos esportes que ele não tinha tempo para saber o que se passava nas ruas”.

Quando Keith Williams chegou na Palo Alto High School em 2010, ele não sabia da existência de Davante Adams.

Williams, o treinador de wide receivers de Fresno State na época, estava lá para observar outro jogador, mas o técnico de Palo Alto, Earl Hansen, chamou Williams e falou para ele dar uma olhada em outro recebedor que estava sendo mais falado como jogador de basquete.

“Eu estou sempre disposto a achar algum azarão”, disse Williams, que hoje é o coordenador de jogo aéreo do Baltimore Ravens. “Então não deixo nenhum lugar sem ser revirado”.

O jovem que Hansen sugeriu tinha um jogo mais físico e impressionou Williams em como ele se ajustava para agarrar as bolas, como ele se mantinha em pé depois de agarrar os passes e em como ele corria. Mas Adams não tinha números que chamassem tanta atenção porque seu time priorizava o jogo corrido e suas notas o afastaram de pelo menos uma escola.

“Cal [Universidade da Califórnia] veio conversar comigo quando ele estava no High School, e ela era seu sonho de Universidade para ir”, disse a mãe de Adams. “E então eles começaram a falar sobre seu boletim e suas notas e começaram a ver alguns D’s ou algo assim, e então acabaram não aprovando essas notas”.

Adams priorizava o basquete na escola. Ele quebrou o braço três vezes antes de chegar no High School e não jogava futebol até seu terceiro ano lá, em 2009. Ele precisava ganhar tempo, dentro e fora do campo.

Hansen sabia que Adams podia fazer malabarismos com a bola laranja e enterrá-la, mas não sabia se ele conseguiria jogar futebol. Adams não entendia muito bem o conceito das rotas. Ele sabia o que ele deveria fazer, mas não sabia como encaixá-lo no restante do ataque.

“Ele era tão cru quando poderia ser”, diz Hansen, hoje aposentado.

Adams não era nem o melhor recebedor dentre aqueles que praticavam mais de um esporte. Joc Pederson, hoje outfielder do Atlanta Braves, recebeu 30 passes para 650 jardas e 9 TDs no seu ultimo ano em 2009. (Adams recebeu 25 passes para 484 jardas e 7 TDs). Hoje, o 2x campeão da World Series ainda fala que era melhor que Adams.

“Assim, os números não mentem”, disse Pederson, com um grande sorriso. Williams, de Fresno State, gostou do que viu de Adams e lhe deu uma chance quando ele o encontrou no ano seguinte, mesmo que ele precisasse de um trabalho substancial para se tornar elegível. Adams teve oito aulas enquanto seus outros companheiros de turma tiveram apenas quatro. Só havia sete períodos na escola, então seu dia era mais longo que o de todo o restante. Brown colocou Adams em uma escola especial aos sábados para ele estudar para a Universidade. Ele terminou o colegial com uma nota próxima do B.

Ele foi como um Superman, e tudo que ele precisava para jogar por Fresno State era passar numa prova de oceanografia na escola de San Jose City para ter créditos pedidos pela NCAA. “Literalmente a prova mais idiota que eu tive na minha vida”, diz ele, visivelmente frustrado sobre.

Fresno State começou seu treinamento antes da NCAA declarar Adams elegível. Enquanto ele esperava pela finalização de sua nota, ele ficou a beira do campo com roupas normais porque ele não foi permitido de usar uniforme. Adams foi muito bem no treinamento quando ele finalmente foi liberado, disse Williams, mas os treinadores preferiram deixa-lo de fora em seu primeiro ano devido a grande quantidade de recebedores que a equipe tinha.

Essa decisão deixou apreensivos tanto Adams quando o QB titular de Fresno State, já que nos treinamentos o novato já ganhava muitas disputas contra os titulares.

“Eu fiquei ‘porque estão ele deixando de fora? Ele não vai ficar aqui por quatro anos’”, disse o atual QB do Las Vegas Raiders, Derek Carr, um dos melhores amigos de Adams. “Eu me lembro de dizer isso para nosso técnico. E eu nunca vou esquecer. Eles ficaram ‘sim, sim, quer saber? Você está certo’”.

A temporada de Adams em 2015 pelo Packers não foi difícil só para ele. Foi um inferno para sua mãe também. Ela lia tudo sobre ele no twitter. Ela não podia ajudar.

Ele é o pior recebedor da NFL. Deveriam cortá-lo. Ele é o rei dos drops

“Era horrível”, disse Brown. “Eu chorava demais”.

Brown ligava para Davante para falar o que todos estavam dizendo. Ele disse para ela parar com isso, mas ela não escutou. Uma vez, ela não aguentou.

“Davante é meu bebê”, disse ela. “Ele é meu único filho então eu entrei no modo protetor. Eu lia muitas coisas, então uma vez eu entrei no twitter e respondi alguém e fui pra cima daquela pessoa ... só para descarregar as frustrações.

O tweet foi na época apagado. Brown não lembra exatamente o que ela disse – alguma coisa sobre não criticar quem você não conhece, provavelmente com alguns palavrões no meio. Um dos amigos de Adams mandou pra ele um print do tweet e ele imediatamente ligou para ela. Ele disse para ela não fazer isso, exatamente o que ele foi treinado para não fazer quando um estranho o criticasse.

Mesmo quando Adams não estava jogando bem, muito porque ele insistia em jogar com uma lesão no tornozelo, um companheiro de Packers que conhecia Adams desde o Ensino Médio mantinha a fé que ele um dia provaria aos fãs que preferiam Jeff Janis que estavam errados.

“Número 1, eu sabia quão bom ele era”, disse o ex WR James Jones, um produto de San Jose State, que conheceu Adams por Williams. “Número 2, você precisava ser cego para não ver que ele não estava 100% e mesmo assim estava tentando algo mais. Todo mundo no Packers sabia que (Janis) não estava nem perto de Davante. E eu amo Jeffy como todo meu coração, mas todos sabíamos disso”.

Jones também sabia o quanto de East Palo Alto Adams tinha dentro dele, e Jones queria que isso viesse para fora. Então ele disse que era mais rápido que Adams.

Isso estalou.

“Isso foi no meio da temporada”, explica Jones. “Davante está com um tornozelo baleado e depois do treino eu e ele estamos alinhados e corremos um tiro de 40 jardas. ... Nós tínhamos um de nossos treinadores baixando as mãos como o tiro de partida, como se fosse realmente uma corrida de 40 jardas. E ele me venceu pelos pelos que ele tinha no queixo e ele nunca vai me deixar ouvir isso. E ele ainda não é mais rápido que eu.

“Você não vê isso todo tempo”, diz Jones. “Caras falam e fazem isso todo tempo no campo, mas eles não vão lá e finalizam o trabalho”.

Adams tinha outra pessoa ao seu lado.

“Não só dele estar ali jogando boa parte da temporada com um problema no tornozelo – um cara que vive na linha de scrimmage – mas de ver que ele pouco reclamou o ano inteiro realmente me chamou atenção”, disse o QB de Green Bay, Aaron Rodgers. “Como mentalmente forte ele foi vindo dos anos anteriores (com poucos passes em sua direção) e então forte fisicamente durante 2015. Então você vê um cara fisicamente e mentalmente forte, tudo na mesma pessoa, você vai ter algo incrível, especialmente quando você tem tanto talento quanto ele”.

Adams impressionou colegas de time com sua perseverança durante sua miserável segunda temporada na NFL. Ele queria mostrar aquele imenso talento, queria se divertir jogando novamente, mas primeiro ele precisava ficar saudável.

Reprodução: Site Oficial/Packers

Em 2016 ele ficou. E nos três anos seguintes depois do desastre de 2015, Adams anotou 35 touchdowns, atrás apenas de Antonio Brown, com 36.

Depois do 49ers atropelar o Packers na final da NFC em 2019, Adams falou com Williams, o treinador que o achou no ensino médio.

Eles conversaram por uma hora e meia. Adams tinha acabado de perdeu sua terceira final de conferencia e isso estava acabando com ele. Ele agarrou 9 passes para 138 jardas, mas o jogo não foi nem disputado. Adams achou que ele não estava fazendo o suficiente.

“Ele basicamente disse ‘Eu estou disposto a fazer, a pensar, a agir e a me comportar da maneira que eu tiver que fazer para ser o melhor recebedor da NFL’”, disse Williams.

Durante a temporada de 2020, eles conversaram três ou quatro vezes por semana sobre cada aspecto do jogo de um recebedor, como sair da linha de scrimmage, como raciocinar se você quer ser um cara que mude o jogo, até como manter o equilíbrio próximo a linha lateral do campo depois de Adams perder um touchdown contra San Francisco por pisar fora de campo na semana 9.

Agora sua habilidade depois da recepção, mãos quase infalíveis, sua execução de rotas impecável e um release letal nem chegam perto daquele recebedor de seis anos atrás que perdeu a cabeça dentro do carro.

“Eu sinto que hoje eu sou alguém que muda o jogo”, diz Adams. “Existem pessoas que são boas e outras que são excelentes, mas não são todos que mudam uma partida”.

Se você não acredita nele, fale com seus pares.

O WR do Packers Allen Lazard: “Ele é um alienígena”.

Carr: “Quando ele está na ponta ou se alinha no slot, o defensor precisa saber que ele esta diante de um selvagem”.

O CB do Bengals “Chidobe Awuzie: “Ele é um animal”.

Técnico do Packers Matt LaFleur: “Tem uma razão para ele ter uma classificação 99 no Madden. Ele é um craque. Eu não creio que haja alguém melhor que ele”.

Coordenador defensivo do Packers Joe Barry: “Davante é, na minha opinião, sem discussão o melhor na Liga”.

Rodgers: “Não tem bola dividida com Davante, é sempre a favor dele”.

Jones: “A única maneira de pará-lo é se você conseguir não jogar a bola para ele”.

Seria Adams o melhor recebedor na liga? Nesse momento, ele já está irritado com esse debate.

“Eu realmente já parei até de responder a essa pergunta”, diz ele. “Porque agora eu sinto que é tão óbvio, por uma certa margem até, que eu acredito. Quando as pessoas perguntam eu fico ‘Deus, você não devia nem perguntar’”.

“Claro, eu penso nisso desde quando eu tive 24 touchdowns em Fresno. Eu estava pensando que ninguém poderia me parar”.

Agora temos evidências para corroborar.

Desde o inicio da temporada de 2016, Adams tem 63 touchdows (oito a mais que qualquer outro jogador), 6,618 jardas recebidas (quatro entre wide receivers) e 530 recepções (o segundo com mais nesse quesito). Mesmo perdendo dois jogos e meio na temporada passada, Adams liderou a NFL em recepções para TD (18) e jardas recebidas por jogo (98.1). Nessa temporada, cercado por marcações duplas, Adams está em terceiro na liga com 97.9 jardas recebidas por jogo. Desde seus 10 drops em 2015, ele tem só 12 nas últimas cinco temporadas.

No espaço de meses, talvez mais cedo que isso, Adams se torne o WR mais bem pago da história da liga, possivelmente fazendo algo em torno de 30 milhões por ano. A jaqueta dourada [em referencia a uma vaga no Hall da fama] pode estar no seu futuro.

“Ainda é surreal para mim”, diz Brown. “Porque nós não viemos disso. Viemos de uma cidade pequena. Não viemos de um lugar com muito dinheiro. Não viemos de nada disso”.

No início da temporada, ela viu um comercial de TV com seu filho como estrela. Ela começou a chorar e logo ligou para ele. Brown falou com Adams o quanto estava orgulhosa dele. Adams disse para Brown o quanto ele estava orgulhoso dela.

“Eu não estou fazendo nada”, ela respondeu. “Eu só estou vivendo”.

“Sim”, Adams respondeu de volta. “E eu só estava vivendo quando você tomou conta de mim”.

Adams tem orgulho do seu passado – as coisas que ele viu que não deveria ver, os problemas que ele passou e superou. Ele passa seu tempo entre duas casas, uma em Wisconsin e outra na California com sua esposa e filha, um ambiente completamente diferente do que ele cresceu e uma forma de mostrar o quão longe ele chegou.

“Agora, para mim, é só continuar encontrando formas de me pressionar para que eu possa explodir meu próprio teto”, diz Adams. “Porque é o oitavo ano, mas eu não sinto assim. Ainda tenho muito combustível no meu tanque”.

“Só preciso continuar a me empurrar e assegurar que eu não voltarei a dormir em ‘não sofás’ ”.

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