Uma semana: segundo o dicionário, um espaço de tempo composto de sete dias, cada um de vinte e quatro horas. Prega ainda que a cada cinquenta e duas semanas, se conclui um ano, e outro nasce no horizonte. Porém, no esporte que muitas vezes desafia a física quântica, essa matemática exata se torna apenas um mísero conceito abstrato quando chega uma semana em especial: a do Draft da NFL. Durante o mês de abril, quando todos os jogadores estão de férias, um grupo de homens começa a ter seu trabalho intensificado. E parte desse grupo se reúne numa sala com um nome curioso: The War Room, ou Sala de Guerra, em português.
Que o futebol americano deriva grande parte de seus termos do belicismo não é novidade para ninguém. A blitz, as trincheiras e o próprio Draft são exemplos clássicos disso. Mas, no que tange ao que ocorre dentro da War Room, talvez o termo seja realmente apropriado. São trinta e dois generais liderando suas tropas ao ataque, disputando um jovem soldado que acreditam ser o grande diferencial do futuro do exército. Por três noites, a guerra acontece com palavras, negociações e diplomacia, sem perder a elegância e o espírito competitivo. E a cada soldado que ouve seu novo regimento lhe ligar para contar a boa notícia, a apreensão e a tensão crescem. Tudo é perfeito, exceto por um pequeno detalhe: a NFL desafia a arte exata.
Todo ano, dezenas de jogadores são escolhidos com grande expectativa e se transformam em decepções, recebendo dispensa desonrosa após um período insatisfatório de serviços prestados. Nomes como Ryan Leaf, Jimmy Clausen, Johnny Manziel e JaMarcus Russell se tornaram folclóricos na liga que ousou lhes considerar uma ciência exata, um protótipo infalível, ao melhor estilo "Plano Infalível do Cebolinha". Não eram. E em um ano no qual os Packers tem uma das suas escolhas mais altas no século, acertar não é uma opção; é uma necessidade. Dito isso, vamos relembrar as últimas escolhas Top 15 de Green Bay e o que elas nos ensinam?
2019 - Pick #12 - Rashan Gary, LB, Michigan
Recruta número um do país quando saiu do High School, Gary foi o pilar de uma defesa dos Wolverines que cedeu a segunda menor quantidade de pontos da Big Ten em 2018. Titular absoluto, mesmo como true freshman, formou uma grande dupla com Devin Bush (Pittsburgh Steelers) que ajudou o programa a vencer dez partidas, mesmo com Shea Patterson comandando o ataque. Uma escolha sólida que vem se provando ano a ano. Em 56 jogos como um cheesehead soma 2 passes defendidos, 4 fumbles recuperados, 22.5 sacks, 135 tackles totais, 80 tackles solo e 54 QB hits.
2009 - Pick #9 - B.J. Raji, DT, Boston College
Impossível esquecer de B.J. Raji e toda sua malemolência ao celebrar a pick six que determinou a vitória dos Packers no Soldier Field na final da NFC de 2010. "The Freezer", como ficou conhecido, atuou em 91 partidas com a camisa verde e amarela e acumulou 10 passes defendidos, 1 fumble recuperado, 11 sacks, 151 tackles totais, sendo 103 individuais e 24 para perda de jardas, além de 18 QB hits antes de anunciar um ano sabático que nunca acabou. Fundamental na defesa campeã do Super Bowl XLV ao lado do companheiro de recrutamento Clay "Diabo Loiro" Matthews e Charles Woodson, sua repentina saída da equipe foi muito sentida. Aliás, diga-se de passagem, que Draft monumental foi 2009...
2006 - Pick #5 - A.J. Hawk, DT, Tennessee
Outro titular do Super Bowl que trouxe o Lombardi Trophy de volta para sua histórica casa, A.J. Hawk fez valer seu sobrenome e incorporou uma ave de rapina nos anos que jogou na terra do leite e do queijo. Calouro defensivo do ano em 2006, seus nove anos em Green Bay foram de longe os melhores da carreira. Em 142 jogos, o linebacker mostrou todo seu "ball hawk", com o perdão do trocadilho, e interceptou os quarterbacks adversários nove vezes. Além disso, teve 34 passes defendidos, 4 fumbles forçados, 19 sacks, 922 tackles totais, (SIM, QUASE MIL TACKLES), sendo 629 individuais e 55 para perda de jardas, além de 35 QB hits. Uma escolha feita "à dedo" (para entender a piada, assista ao vídeo abaixo).
2001 - Pick #10 - Jamal Reynolds, DE, Florida State
Chegamos ao mais recente bust draftado no top 15 pela franquia da Titletown. Reynolds havia tido uma carreira lendária pelos Seminoles, sendo parte do Hall da Fama da universidade há dez anos. Seu nome está para sempre no livro da história do College Football por ter sido responsável por sackar Michael Vick três vezes na decisão nacional de 1999, e após uma temporada brilhante na virada do milênio que lhe concedeu vaga nas listas de All-Americans de todas as instituições votantes e o Lombardi Award (que homenageia exatamente o maior de todos os treinadores da Baía Verde), prêmio concedido ao melhor defensive end universitário do país, também foi finalista dos dois principais prêmios universitários destinados a jogadores de defesa: o Bednarik Award e o Football News Defensive Player of The Year. Foi ainda um dos principais responsáveis por colocar o time de Tallahassee na decisão nacional contra a Oklahoma Sooners no ano 2000, apoiado por seus 12 sacks, 3 safeties forçados, 15 tackles for loss e 4 fumbles em 13 partidas. Com um currículo desses, é perfeitamente compreensível os Packers apostarem no atleta, que nunca rendeu. Na NFL, Reynolds teve apenas 18 jogos, nenhum deles como titular, forçou dois fumbles, defendeu um passe, teve três sacks e 18 tackles em seus três anos como um Packer. Uma lesão ainda no primeiro training camp atrasou seu desenvolvimento, e conforme outras se seguiam, a paciência se esgotou. Trocado para os Colts em 2003, sua carreira também não decolou em Indianapolis e o jogador pendurou suas chuteiras ainda muito jovem. Uma lástima!
2000 - Pick #14 - Bubba Franks, TE, Miami (FL)
Muitos defendem que os Packers deveriam usar sua escolha de primeira rodada deste ano para trazer um tight end. Caso isso ocorra, o jovem recruta poderia se espelhar em Franks. Em seus oito anos jogando na Frozen Tundra, o tight end participou de 114 jogos, vendo 393 bolas voarem em sua direção e recepcionando 256 para um total de 2300 jardas e 32 touchdowns. Selecionado para três Pro Bowls, Franks mostrou sua fidelidade a Brett Favre quando saiu dos Packers e foi jogador nos Jets junto com o eterno camisa #4 em 2008.
1993 - Pick #15 - Wayne Simmons, LB, Clemson
Pode existir algo mais análogo à disputa de generais pelos soldados do que um atleta com o nome de General? Em 1993, os Packers selecionaram um jovem prospecto de nome Wayne General Simmons, visando um capitão para sua defesa. Mas, como em qualquer quartel que se preze, ele precisou galgar suas patentes de forma gradativa. Reserva nos dois primeiros anos da carreira, Simmons assumiu a titularidade em 1995 e foi peça importante na campanha do vice-campeonato da NFC. Mas a glória viria no ano seguinte. Uma interceptação, dois fumbles forçados, 2.5 sacks e 66 tackles que ajudaram os Packers a vencerem o Lombardi Trophy pela primeira vez em três décadas. Mas, talvez o mais célebre dos lances de sua carreira em Wisconsin tenha sido o desrespeito "generalizado" (perdão, não resisti) mostrado contra o então running back dos Vikings Amp Lee em um clássico jogando em Minneapolis. Trocado para os Chiefs na temporada 1997, na qual os Packers deixariam o bi-campeonato escapar pelos dedos frente a John Elway e os Broncos, Simmons nunca mais teve o mesmo brilho e pendurou as chuteiras em 1998, depois de rápida e apagada passagem pelos Bills.
A história nos mostra, portanto, que os Packers vêm acertando mais que errando quando o assunto são picks altas do draft. Nos resta torcer pra que esse seja novamente o caso em 2023, e quem sabe, uma nova pick #15 tenha o mesmo destino de Simmons: o de estar presente em mais um título de Super Bowl. Até porque, sempre vale lembrar que o quinze é um número abençoado em Green Bay.
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