A expressão da moda e suas redefinições eternas

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Não é segredo para ninguém que o mundo é esférico, e como tal, cíclico. Tudo que há, desde a mais diminuta partícula de poeira até o mais elaborado e impressionante ser vivo, são afetados por eventos que se repetem periodicamente - seja na forma da precipitação que dá à Terra o mais necessário dos líquidos existentes para a vida, nos sempre incríveis eclipses, ou mesmo pela passagem de um deslumbrante cometa. Sim, caro leitor: a vida é feita de repetições. Porém, às vezes tendemos a levar isso a sério demais...

O jornalismo não é uma ciência apartada do mundo e de suas realidades, como se estivesse mergulhado em Themyscira, a mitológica ilha paraíso de William Marston, ou fosse acessível apenas por meio de um guarda-roupas mágico, como brilhantemente imaginado por Clive Staples Lewis nas Crônicas de Nárnia. E assim sendo, ele está vulnerável aos trejeitos de sua época, incluindo seus ciclos. E nos últimos anos esse fato tem sido escancarado diante de nossos olhos de forma extravagante. Afinal, vez após vez, as mesmas coisas são inventadas para justificar os mesmos erros e acertos. E assim segue o mundo - girando, redondo que é.

Porém, meu ponto aqui não é difamar ou criticar o jornalismo, o que me faria um tremendo hipócrita, haja vista a natureza desse artigo. E não, eu não esqueci que esse portal é sobre um time específico do norte dos Estados Unidos. Meu propósito é convidá-lo a embarcar comigo em uma reflexão acerca de uma faceta dessa periodicidade toda. Já repararam que todos os anos surge uma nova "expressão da moda"? Aquela palavra ou conjunto de palavras que são atiradas a esmo em todo programa esportivo que se assista, independente de qual modalidade está sendo debatida ou qual história está sendo contada. Pois muito bem! E eis que uma das tais "expressões da moda" vem bem a calhar no que vimos nessa agradável tarde de domingo em Wisconsin. E que atire a primeira pedra não nunca falou ou ouviu dizer que xis equipe mostrou RESILIÊNCIA em seu jogo!

Segundo o dicionário, essa palavrinha comprida é usada para se referir a quem consegue superar as dificuldades que se lhe apresenta, e em um dado momento, o simples fato de suportar o emprego exacerbado dela já era demonstração de que a pessoa estava a mostrar essa qualidade em ação. Contudo, precisamos reconhecer que no final das contas, a "expressão da moda" nada mais é que uma expressão idiomática, criada pelos pais da gramática, para traduzir em letras e fonemas aquilo que se via ou sentia. Trocando em miúdos: palavras podem ser apenas palavras, e elas existem com o propósito de definir algo. Cabe ao locutor o discernimento de como usá-la e o que irá transmitir a partir dela. E como supracitado, o último fim de semana viu um singelo emissor demonstrá-la em ação.

Depois de três quartos pavorosos, era natural que a desconfiança pairasse no ar do Lambeau Field. Os Saints vieram dispostos a colocar água no chopp do torcedor no primeiro encontro com o time na temporada 2023, e estavam sendo muito bem-sucedidos. A equipe claramente sentia falta de Alexander, Bakhtiari, Watson e Jones, quatro partes da espinha dorsal da franquia neste ano. Nada dava certo. Jordan Love estava nas cordas. Até que ele mostrou... bom, você já sabe...

Primeiro, uma grande campanha que contou com a acrobática recepção de Romeo Doubs na big play. Tudo levava a crer que começava a reação. Mas, um passe incompleto na quarta descida impediu o que poderia ser o touchdown que botaria fogo no jogo. O placar continuava zerado para os donos da casa - aliás, reconheça a ironia por trás do zero ser um número que se escreve de forma quase esférica. Veio então o quarto e derradeiro período do jogo. Em larga desvantagem, Green Bay precisava de uma faísca imediata, e ser parado na terceira descida quase nunca é uma solução. O field goal acabou sendo uma espécie de "prêmio de consolação" para um drive que não alcançou seu objetivo maior. A defesa trabalha bem na sequência e devolve a bola para o ataque, que agora não poderia desperdiçar mais uma chance. E não o fez. Capitaneados pelo "general Love", o regimento marchou no campo até alcançar o limiar da terra prometida. Primeira pro gol na linha de três jardas. Três chances para voltar para o jogo e reduzir a vantagem para uma posse de bola. Nada feito. Matt LaFleur precisa tomar uma decisão: jogar na segurança e chutar outro field goal pra reduzir a vantagem ou arriscar a quarta descida e potencialmente sair de mãos vazias? Corajosamente, a escolha do treinador foi pela segunda opção, e a aposta se mostrou certeira. Love escaneia o campo, percebe dois defensores dos Saints comprando o handoff para AJ Dillon e decide ir sozinho, ainda quebrando um tackle no meio do caminho. Touchdown, Packers, para reduzir o déficit em sete pontos, certo? Errado! Novamente mostrando bravura, LaFleur manda seu time buscar dois pontos, o que em um jogo dominado por field goals fazia muito sentido - afinal, em caso de conversão, dois drives curtos poderiam enviar a partida para a prorrogação. Formação shotgun, Dillon no backfield e Reed alinhado na proteção. O snap é feito, Love procura a primeira leitura e nota uma boa cobertura da defesa de New Orleans. Ele então gira o corpo e escala o pocket, trazendo a defesa pra cima de si. Em apenas cinco passos, ele atrai os olhares de toda a unidade de contenção da equipe da Louisiana e percebe a abertura da janela de passe. O lançamento na direção de Samori Touré é recepcionado e coloca gasolina num já incendiado Lambeau Field.

Mais uma vez, a defesa cumpre seu papel e devolve a bola ao seu líder com pouco menos de cinco minutos por jogar. É hora de mostrar a tal da resiliência mais uma vez. Segunda pra dez, linha de quarenta e cinco do campo defensivo. Love recebe o snap, faz o dropback e procura Reed que dispara como um foguete rumo à endzone. A bola, no entanto, fica um pouco longa para o recebedor, que mergulha como se estivesse competindo nos saltos ornamentais para agarrar o elíptico e garantir o avanço. Hora de capitalizar. Terceira pra três, menos de três minutos pro fim da partida. O momento onde os grandes são separados dos medíocres. Bola na mão do quarterback, que procura Romeo Doubs, alinhado sozinho no lado direito e marcado individualmente. Sem problemas! Bola rente a sideline e bingo! Pela primeira vez na tarde, a liderança é verde e ouro! Jordan Love e seu ataque mostram mais uma vez que a expressão da moda não precisa ser algo irritante; ela pode ser apenas uma representação do sentimento supracitado. Os Saints ainda teriam a chance da vitória com o field goal de quarenta e seis jardas que passa à direita do poste para delírio de toda Wisconsin - e convenhamos, depois de toda essa magicalidade, nada mais justo. Vitória de Green Bay, mas acima de tudo, de um time que "soube sofrer", como dizem os treinadores Brasil afora. Triunfo com a cara de um time que sintetiza a tal "expressão da moda" e não esmorece diante dos everestes figurativos que são postos diante de si. Para simplificar: conquista de um time resiliente. E eu prometo tentar não usar essa bendita palavra de novo tão cedo...

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